Retórica vaga
Data:30/11/2017 - Hora:08h23
Os dois caminhos oferecidos ao Homem, que se equilibra há milênios, são uma figura de retórica convenientemente vaga. Temos vagas visões como o inferno da escatologia cristã: tem-se o temor, mas não se tem os detalhes. Passa-se a eternidade numa grelha ou há períodos de folga? São sempre os mesmos diabinhos a nos espetar ou há um rodízio? Só sabemos que não queremos chegar lá para descobrir.
A ciência, pelo menos até Albert Einstein, nunca pretendeu desafiar a metafísica dominante, mesmo quando desmentia seus dogmas. Em seu tratado revolucionário sobre o Universo heliocêntrico, Copérnico destruiu mil anos de ensinamento da Igreja. Mesmo assim, continuamos a ver nossas novelas e a pagar nossos carnês, e concluímos que o inferno é mais uma ficção repreensiva do que um fato. O caos completo ou o apocalipse nunca chegará ou, pelo menos, nunca será completo. Porque, quando pensamos no inferno imaginamos as imagens monstruosas e surrealistas e, por isso, tememos o que desconhecemos, pelo conceito imposto de fatalidade.
Melhor pensar que o juízo final será, brasileiramente, adiado para sempre – ou nunca passará da retórica à realidade. O diabo é que tem gente que leva a metáfora a sério e parece estar sempre aproveitando do desespero nacional, para saber até onde é possível ir aos limites da manipulação e do amedrontamento. E, é claro que os que desafiam as normas maniqueístas não sofrerão os efeitos de seu fundamentalismo: no caso de a gente cair no abismo de fogo, não espere ver outros caindo junto. Estamos fritos? Se não é verdade é um bom achado, além de negócio rentável, livre também de estelionato porque você não assina nenhum documento, como comprovante, parafraseando Galileu. Uma coisa torna essa política unânime, desde a idade média: na língua dos números (ou do dinheiro) não existe retórica, nem jargão e nem duplo sentido – existe, sim, a língua dos artifícios, como o bem colocado termo “a salvação eterna”. Você pode contestar os argumentos, ser convincente com mais números, mas não tente questionar sobre a verdade, o seu caráter e suas motivações. ***___Rubens Shirassu Júnior, escritor e pedagogo de Presidente Prudente, São Paulo. Autor, entre outros, de Religar às Origens (1980-2010 – ensaios e artigos, 2011) e Sombras da Teia (contos, 2016)
fonte: Rubens Shirassu Júnior
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