Uma visão sistêmica sobre a adoção
Data:26/05/2017 - Hora:08h47
No mês em que se comemora o Dia Nacional da Adoção (25 de maio), quero propor para reflexão uma visão sistêmica da questão. Isso implica olhar para o contexto, colocar-se no lugar do outro, transitar pelos diferentes aspectos que permeiam o processo de adoção para, assim, obtermos uma visão integrada sobre o assunto.
Todos os humanos têm sua origem a partir de um homem e de uma mulher. Nessa visão, olhamos todos os envolvidos num processo de adoção, sem excluir nenhuma figura biológica, parental ou afetiva. Dessa forma, olhamos para a mãe que entregou o filho para adoção; a mãe que abandonou o fruto de seu ventre; o pai que não quis a gestação; o pai que não soube da gravidez; o pai que não queria a entrega do filho.
De outro ângulo, temos os pretendentes à adoção; temos os cadastrados. E, abrindo mais um pouco, podemos trazer as crianças e os adolescentes, abandonados; os entregues de forma legal; os entregues por desejo dos pais biológicos a determinada pessoa; os abrigados; os acolhidos.
Incluímos agora as instituições; os lares; os abrigos; as famílias acolhedoras; os cuidadores; os tutores; os guardiões. Incluídos todos – não nos esquecendo das famílias extensas, dos magistrados, dos promotores de justiça, das equipes multidisciplinares – precisamos identificar então para onde cada um olha; o que cada um deseja; por onde e para onde o amor de cada um caminha e os leva. Aqui cabe perguntar, internamente, o que essa criança busca?
A alma, termo utilizado pelo ministro João Otávio de Noronha nesse assunto, o que deseja? Em relação aos adolescentes e às crianças, elas desejam novas famílias? Desejam permanecer acolhidas onde estão? Buscam descobrir de onde vieram num primeiro momento? Identificar o primeiro desejo, e trabalhar com ele, altera a ambientação dos integrantes do novo sistema a ser formado com a destituição do poder familiar. Muito do "sucesso" ou não da experiência se deve a esse aspecto. Explico: o trabalho de preparação dos pretendentes e dos aptos à adoção, e o trabalho das equipes interprofissionais dos juízos precisam considerar esses “movimentos de almas”.
Ainda na visão sistêmica da adoção, nos viramos para os desejos internos dos adotantes, aqui cabe aclarar os motivos da adoção. O pretendente ou pretendentes desejam adotar porque não é possível gerarem filhos? Desejam "substituir" a perda de um filho biológico? Querem continuar a família e agora se abrem para a adoção? Nesses exemplos, para onde olham os pretendentes quando desejam a adoção? Para si ou para as crianças e adolescentes disponíveis à adoção? Os pretendentes que olham para os possíveis adotados, levando em conta as necessidades dessas "almas" e não as suas, agem diferentemente dos outros ? Os cadastrados ou os pretendentes são gratos pela possibilidade da adoção de forma a reconhecer a importância do ventre que gerou e da concepção ocorrida ou julgam a atitude dos biológicos, se arrogando superiores a eles ao ponto de quererem ocupar-lhes o lugar?
Nas relações aqui enumeradas, onde se estabeleceu o respeito? O respeito existe em relação a todas as figuras parentais e afetivas? Quem entregou foi merecedor/merecedora do mesmo trabalho psicossocial realizado com quem vai receber, acolher e ser acolhido? Algum deles é tido no processo com maior ou menor?!
Concretizada a adoção, como essas crianças e adolescentes são vistos pelos adotantes? Suas origens e características são consideradas, respeitadas ou existe forte desejo de moldar segundo o que motivou a adoção ou a "idealização" do "meu filho"?
Creio que temos aqui pontos e focos que podem nos levar a uma reflexão positiva; que podem contribuir para uma nova abordagem do processo, para a elaboração de políticas públicas mais humanitárias e de leis que contemplem o ser holisticamente falando. Lembro ainda que deixamos de analisar a família extensa e a máquina judiciária para não nos estendermos e finalizo com um poema do checo Rainer Maria Rilke:
"Quero lhe implorar
Para que seja paciente
Com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar. As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira.
Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora. Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia distante."
Jaqueline Cherulli - Juíza de Direito, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso.
fonte: Jaqueline Cherulli
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